Um dia depois de o Papa Bento XVI, de 85 anos, anunciar que vai renunciar ao Trono de Pedro no próximo dia 28 por falta de forças físicas e mentais, o Vaticano admitiu ontem pela primeira vez que o Pontífice comandava a Igreja Católica com o apoio de um marcapasso. O dispositivo, instalado há 10 anos, teve a bateria trocada, em sigilo, numa intervenção médica há três meses, conforme revelou o porta-voz da Santa Sé, reverendo Federico Lombardi. O marcapasso foi instalado, portanto, antes de Joseph Ratzinger ser escolhido para suceder João Paulo II, em 2005.
Lombardi disse que as baterias do aparelho foram substituídas em um procedimento pequeno e de rotina. O porta-voz rejeitou qualquer especulação que considere a arritmia cardíaca – normalmente, o diagnóstico que leva à instalação de um marcapasso – como justificativa para que o Pontífice decidisse abdicar do comando da Igreja Católica, decisão que surpreendeu católicos de todo o mundo e mesmo integrantes da hierarquia eclesiástica.
– Isso não teve influência sobre a decisão. As razões foram de sua percepção de que sua força havia diminuído com o avanço da idade – afirmou Lombardi, durante entrevista coletiva no Vaticano.
risco é mínimo, explicam especialistas
O Vaticano se viu forçado a comentar o assunto após o jornal italiano “Il Sole 24” publicar ontem que o Papa havia implantado um marcapasso em um hospital de Roma. Apesar da cirurgia, nenhuma aparição pública teria sido cancelada. E nem precisaria cancelar compromissos, segundo cardiologistas.
– O marcapasso fica logo abaixo da pele. A troca é um procedimento simples. Não há praticamente risco nenhum. Certamente este não foi o motivo que o levou a se afastar – avalia o cardiologista Cláudio Domênico, integrante da Sociedade Europeia de Cardiologia, ponderando que o Vaticano não esclareceu se Bento XVI é portador de alguma outra patologia cardíaca.
Eduardo Saad, integrante da Sociedade Brasileira de Arritmias Cardíacas, concorda que é praticamente nulo o risco de complicações na troca de bateria do aparelho, mesmo em pacientes com idade avançada.
– O risco que existe na troca da bateria do marcapasso é o de alguma infecção, o que também é raro. A validade da bateria varia de acordo com o nível de arritmia que o paciente apresenta mas, em média, dura entre oito e 10 anos – explica o médico, que é coordenador do Serviço de Arritmias do Hospital Pró-Cardíaco, no Rio.
Existem dois tipos de marcapasso. O mais comum para pessoas com a idade do Papa é o dispositivo que regula os impulsos elétricos do coração quando os estímulos ficam mais lentos e, por isso, o músculo cardíaco bate com menos frequência que o normal. O outro modelo, chamado de marcapasso desfibrilador, existe para regular os batimentos de quem tem arritmia maligna, em que a frequência cardíaca se acelera descontroladamente. Nos dois casos, a substituição da pilha é coisa simples.
– Quando se troca bateria, na verdade, troca-se todo o aparelho, que fica numa área subcutânea logo abaixo do osso da clavícula. O marcapasso é ligado ao coração por meio de fios, os quais não são mexidos na troca. Em geral, o procedimento dura entre 15 e 20 minutos – acrescenta Saad.
Também são pequenas as chances de o Papa ter precisado trocar o marcapasso em caráter de emergência, surpreendido por sintomas. Saad esclarece que pacientes com o equipamento têm acompanhamento médico com um cardiologista a cada seis meses, pelo menos. Nas consultas, são feitos exames em que a carga da bateria é checada para evitar imprevistos.
O mais provável, portanto, é que a degeneração da saúde de Bento XVI tenha ocorrido por outros motivos alheios ao marcapasso ou à manutenção do equipamento, avaliam os especialistas. Ao anunciar sua renúncia, Bento XVI afirmou estar ficando fraco demais para carregar os fardos do papado e atribuiu a decisão à sua idade avançada. Ele se torna, desta maneira, o primeiro Pontífice a renunciar ao cargo em seis séculos.
Mesmo com o uso do marcapasso, o porta-voz da Santa Sé disse que o Papa não tem uma doença específica, mas que sofre um declínio progressivo de suas forças. E destacou que o Pontífice não sofreu pressões externas para deixar o cargo.
– Nos últimos meses, ele tem enfrentado um declínio em seu vigor, tanto no corpo como no espírito – afirmou Lombardi. – Foi uma decisão pessoal, tomada com total liberdade e que merece o máximo respeito.
Reportagem reproduzida na íntegra do site: http://www.emtemporeal.com.br / O Globo